Tênis sujos largados na escada

[ahad1020]

De emergência, cheirando a decisões apressadas e derrotas disfarçadas de coragem.
Alton coçava o queixo, encarando seu reflexo rachado no espelho manchado da sala de maquiagem.
Papel higiênico pendurado na manga do casaco — metáfora perfeita para aquela noite desconfortável.
As palmas foram mornas, mas o suor escorrendo pela testa era fervente de vergonha.
Alguém bateu na porta do camarim e fugiu antes de ouvir a resposta.
A piada final não funcionou. Nem a anterior. Nem a primeira. Nem o conceito do show.
Dois botões caíram de sua camisa no meio do monólogo sobre controle emocional.
Alton tropeçou nas próprias palavras, literalmente e emocionalmente, ao tentar improvisar sobre autoestima.
O público tossia mais Base de dados de números de telefone do que ria. Um bebê chorou. E ele queria chorar junto.
A luz caiu no momento errado. Talvez um sinal divino de: "Pare, homem."
Bastidores com cheiro de pipoca velha e ambição vencida pela prática.
O produtor evitava o olhar de Alton, ocupado demais com um celular que não tocava.
Um fã o parou para elogiar… a iluminação.
Alguém escreveu “FORÇA” no espelho com batom, mas parecia sarcasmo.
O microfone falhou. A voz falhou. A fé também falhou.
Alton sorriu, mas apenas com os dentes. Os olhos tiraram folga.
Tocou sua própria música de encerramento no celular, sozinho, no escuro.
Roupas jogadas, scripts rabiscados, um sanduíche mordido e esquecido.
A plateia parecia uma multidão de fantasmas esperando algo que nunca chegou.
A crítica no Twitter: “Parece que ele esqueceu de ensaiar e de viver.”
Pensou em apagar as redes sociais, mudar de nome, virar entregador de pizza na Islândia.
A risada nervosa no final virou assinatura sonora da sua derrota pessoal.
Ninguém quis tirar foto no final. Nem ele.
O barulho do zíper do figurino foi mais aplaudido do que o monólogo principal.
A camerawoman deixou a lente suja de propósito, talvez por pena.
O roteiro caiu no chão e foi pisado por uma dançarina vestida de polvo.
Alton olhou o relógio: ainda restavam 28 minutos de fracasso ao vivo.
Um sapato seu ficou preso na cortina. Metáfora gratuita.
Disse “obrigado” no fim como se dissesse “me desculpem”.
Tentou lembrar por que começou aquilo tudo. Não conseguiu.
Gritaram “fora Bolsonaro” no meio da cena sobre mindfulness.
O operador de som estava jogando Candy Crush.
A maquiagem derretia como dignidade em calor escaldante.
Tinha um abacaxi no camarim. Ninguém soube explicar por quê.